domingo, 31 de março de 2013

Europa e Educação

A influência internacional nas políticas educativas em Portugal, não começou «hoje», nem sequer neste século. Não vamos, aqui, recuar a Luís António Verney e ao Verdadeiro Método de Estudar - fiquemo-nos, modestamente, pela segunda metade do século XX.
No final do período do Estado Novo, o paradigama fortemente doutrinário e imobilista, que havia dominado este período e projeto político, começa a estilhaçar-se. No início dos anos 70, a reforma do sistema educativo desenhada por Veiga Simão (reforma que não chegou a ser implementada, 'suspensa' pelo 25 de abril) evidenciava já a pressão internacional, no que concerne ao aumento dos anos de escolaridade e à preocupação em aferir as aprendizagens escolares pelo diapasão do emprego e da produtividade.
Porém, foi a partir de meados dos anos 80, que o nosso sistema educativo se tornou mais vulnerável às influências internacionais, principalmente oriundas da União Europeia, inserindo-se num referencial global europeu (Antunes, F.); este movimento explica o contexto educativo de grande parte das alterações que, até ao momento atual, têm afetado o sistema educativo português, não permitindo, naturalmente, escamotear as especificidades históricas, políticas e culturais portuguesas, nomeadamente os efeitos de uma democratização tardia e, preocupantemente, inacabada.
As Reformas Educativas dos anos 80 e 90,  decénio coincidente com a governação social democrática dos X e XI Governos Constitucionais, introduziram a retórica de modernização do sistema educativo (substituindo a retórica de democratização que dominara o decénio anterior). O leque desta retórica, fortemente inspirada na nova direita europeia e na permeabilidade blairiana da «terceira via», abriu a porta ao vocabulário que muitos de nós reproduzimos inocentemente, como se guardasse subtis promessas de melhores tempos educativos: autonomia, descentralização, desburocratização, territorialização, municipalização... Mais recentemente, numa mera inflexão de grau (estamo-nos a aproximar de extremos): avaliação por resultados, promoção por mérito, agregação, flexibilização, livre-escolha da escola pelas famílias, privatização.
      A criação do subsistema de Escolas Profissionais, imediatamente após a adesão de Portugal à, então, CEE, foi a primeira medida de 'infiltração' (ainda híbrida e subtil, mas apontando os novos tempos a vir)  do paradigmal mercantil, no interior do sistema educativo, quebrando as linhas de regulação democrática que se haviam imposto após o 25 de abril. As Escolas Profissionais passaram a ser geridas 'privadamente', por gestores nomeados; iniciou-se a precarização dos contratos docentes, com uma larga maioria de formadores em prestação de serviços; experimentou-se a livre-escolha da escola pelas famílias; consolidou-se a valorização económica da escola e a avaliação da formação a partir do seu potencial de empregabilidade; envolveu-se a sociedade civil, as autarquias, etc.; reduziu-se a 'mão' do Estado na definição das políticas de formação e das redes de oferta; aferiu-se o valor pela procura; iniciou-se a competividade entre escolas; os encarregados de educação e os alunos tornaram-se clientes.
Entre outras coisas.

sexta-feira, 29 de março de 2013

A honra de Crato

Nuno Crato «guarda» relatório sobre a licenciatura do Ministro Relvas, há dois meses, noticia o Expresso de hoje (pág. 8).

Que aspetos deixam dúvidas orgânicas na licenciatura de Relvas, obtida através de equivalências, correspondentes a 160 créditos (quando uma licenciatura completa tem cerca de 180 créditos)? Várias: nenhum outro aluno da Universidade Lusófona obteve tão elevado número de créditos por equivalências; foram dadas equivalências a cadeiras que não existiam, à data, no plano do curso; faltam comprovativos das notas atribuídas; há notas assinadas por outrem (o Reitor), e não pelo docente da cadeira… Enfim, basta para que a tutela tenha o dever de exigir esclarecimentos.
Porém, quando o MEC é Nuno Crato, esse dever é, além de funcional, um dever moral, de honra. E isto porque Crato, depois de uma breve passagem pelo Ensino Secundário (dois anos, de 1980 a 1982) como docente, depois de se ter tornado professor do Ensino Superior e de ter lido umas coisas sobre educação, que encaixou na sua versão elitista e salazarenta do saber, se promoveu numa carreira de comentador e político, que assumiu como bandeira a luta contra o facilitismo.
Foi através desse discurso balofo, no seio do qual deixou sempre por definir, com mínimo rigor que fosse, conceitos fundamentais com os quais operava – como o de facilitismo – que se impôs num discurso populista que agradou a muitos docentes, uns por pura ingenuidade, outros por nostalgia da régua e do medo como armas de imposição social, outros por ‘tique’ de classe real ou fictícia. São esses os que hoje se sentem defraudados com o seu Ministério. O que não é o meu caso que, correndo quase riscos de ‘linchamento’, e comparando Crato com Maria de Lurdes Rodrigues, defendi sempre que tínhamos, agora sim, entrado na situação de catástrofe.
Foi em nome da luta contra o facilitismo que Crato, mal chegado ao Governo, elegeu como máxima perversão do sistema, o programa de certificação e validação de competências dos CNO e iniciou o seu extermínio.
Foi em nome da luta contra o facilitismo que Crato, depois, aboliu disciplinas do Ensino Básico e reduziu carga horária a disciplinas do Ensino Secundário: as associadas ao ensino artístico, à educação para a cidadania, às humanidades  e outras ‘inutilidades’ que vão para além do ler, escrever e contar e do culto dos exames como regra única de medida de conhecimentos. Assim mesmo, em sentido restrito, restringindo a educação. Quantitativa e qualitativamente.
Foi também em nome desta ideologia falsamente meritocrática, contábil e empobrecedora, que Crato desvalorizou os resultados do relatório da OCDE, que demonstravam as significativas melhorias dos últimos anos, em Portugal,em termos de qualificação e redução do abandono escolar: «Temos sido muito críticos em relação a distribuir diplomas porque isso não resolve os problemas do país. O que resolve é a formação", afirmou o Ministro da Educação à agência Lusa, no dia 13 de setembro de 2011.
Crato tem há dois meses, na sua posse, segundo o Expresso, o relatório que pode demonstrar a dimensão da sua estrutura moral. Que nos pode demonstrar se ele próprio alguma vez acreditou na sua parangona ideológica e se dispõe a aplicá-la coerentemente, ou não. É agora a vez de lutar contra o facilitismo. Estamos à espera!