sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Cortar programas à vontade do freguês: não é «eduquês»?

Incompetência e Desrespeito pelas pessoas são sintomas que o blog «O Estado da Educação» descobre no modo como o Ministro Crato tratou as disciplinas de Filosofia (Ensino Recorrente) e Psicologia B, nesta estranha e recente «reforma curricular»:

«Sem se conhecer o fundamento, o Ministério da Educação determinou, através da nova matriz curricular, saída em Junho, uma redução de 25% na carga horária da disciplina de Filosofia, no 10.º e 11º anos do Ensino Recorrente (nocturno), e uma redução de 33% na carga horária da disciplina de Psicologia B, no 12.º ano (diurno). (...)
Apesar de ter operado esta arbitrária e drástica redução nas horas a leccionar, Nuno Crato não teve o cuidado de alterar os programas ou, no mínimo, as orientações de gestão dos programas destas disciplinas, e, assim, as escolas vivem neste momento esta situação impensável: não havendo critério orientador, não existindo coordenação superior, cada escola inventa a adequação que vai fazer dos programas às novas cargas horárias: umas escolas vão cortar aqui e desvalorizar acolá, outras farão provavelmente o inverso, outras seguirão uma terceira via, outras uma quarta e por aí adiante. Isto que, por si mesmo, é do domínio da imbecilidade, mais estultícia revela quando verificamos que algumas destas disciplinas têm exame nacional.»

Porém, que Nuno Crato 'se esqueça' da qualidade do ensino a propósito da Filosofia e da Psicologia, não é coisa que me surpreenda. Pelo contrário. Inscreve-se na ideologia educativa centrada nos 'conhecimentos básicos', defendida pelo atual Ministro - que não são 'básicos' apenas por constituírem a base do saber e deverem, por isso, ser reforçados (como muitos quiseram entender), mas porque a educação popular deve, cada vez mais, excluir tudo o que não seja 'básico': é a teoria do «ler, escrever e contar». Pensar autonomamente, compreender os fundamentos do comportamento humano e todas essas coisas ociosas têm de existir sim, claro, mas para elites muito reduzidas e ideologicamente controláveis. Este foi sempre o pensamento implícito do inimigo do 'cognitivismo' educativo, o Crato, que foi tão festejado por uma larga maioria de profissionais da educação, quando ascendeu a MEC - vá lá a saber-se porquê!!

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Do medo e seus variantes

Medo no(do) Mundo, no País e nas Escolas (nestas últimas: aqui, aqui e aqui).

E num texto lido por Mia Couto, que nos devolve a esperança:

Há neste mundo mais medo de coisas más, do que coisas más...

Há quem tenha medo do medo.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Os tempos que correm...

11 de setembro é também aniversário do Golpe de Estado ocorrido no Chile em 1973, que derrubou o regime de democracia constitucional e o seu presidente Salvador Allende, encabeçado pelo general Augusto Pinochet, que se proclamou presidente,  com apoio militar e financeiro do governo dos Estados Unidos e da CIA.
Este, foi um golpe de estado ‘clássico’, com a decisiva condição militar. Outros há, nestes tempos que correm, a vários níveis, que não tendo a componente militar, não são menos ‘golpes de estado’. Em Portugal, vivemos um período ‘revolucionário’, o PREC da direita neoliberal, com todos os ingredientes de um golpe de estado em curso.
Repare-se que um golpe de estado nunca é um fim em si; é um período de ‘caos’, inevitável e necessário, em vista do restabelecimento da ‘ordem’. De uma nova ordem. Claro que, o caos é muitíssimo mais percetível quando existem mortos e feridos, militares nas ruas e recolher obrigatório para as populações, como no Chile de Pinochet. Mas há, entre as múltiplas características, duas que são comuns e recorrentes e que devemos, a bem da lucidez e da saúde mental, saber identificar:
- a inversão do Estado de Direito e o desrespeito à lei: na sua forma mais radical, trata-se do desrespeito pela Constituição. É ao que assistimos na política portuguesa: após uma tentativa frustrada de rever a constituição, Pedro Passos Coelho e o seu governo decidiram, simplesmente, ignorá-la e torneá-la em todo e qualquer aspeto que lhes não convenha. Chovem denúncias de inconstitucionalidade – e depois…?
- a cultura do medo: mantém-se a populaça eficazmente controlada se forem criadas condições de luta pela sobrevivência – fazendo-a recuar à base da pirâmide de Maslow, onde o homem se define pelas suas necessidades básicas  –, sobrevivência biológica e segurança pessoal para si e para as suas crias. Um retorno à animalidade.

Estes são grandes sintomas da sociedade portuguesa atual. Mas não somente a um nível de análise macrossocial, por assim dizer. Também a um nível micro. Vejam-se algumas escolas, onde diretor(es) se recusam a aplicar as alterações introduzidas no Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos estabelecimentos públicos, nomeadamente no que concerne a uma mitigada reintrodução de princípios de inspiração democrática na escolha dos coordenadores de departamento  curricular, (DL nº 137/2012, de 2 de julho, artº 43º, pontos 5 e 6), alteração que resultou duma tenaz luta sindical, aliás, com modestas e insuficientes vitórias. E é esta uma lei fundamental, uma espécie de constituição do mundo escolar não superior! E porquê? Porque, simplesmente, não convém à sua estratégia autocrática! Segundo me informaram, existem algumas escolas nesta situação – poucas, felizmente –, perante o mutismo amedrontado, ora interrogativo, ora alienado, da, cada vez mais indevidamente chamada, comunidade educativa!
Estes ‘pequenos’ sintomas são (também) sinais significativos deste perigoso PREC, amigo de novos autoritarismos e ditadores emergentes. E o nosso silêncio é medo…
O medo é muito eficaz.

sábado, 1 de setembro de 2012

Os filhos dos outros [ hoje, no Expresso]

Autor: Pedro Adão e Silva

« Há um par de princípios que tenho como fundamentais para a educação dos meus filhos: em primeiro lugar, não desistir deles. Ter a certeza de que, mesmo quando falharem, apoiá-los-ei e não aceitarei que o falhanço seja definitivo. Em segundo lugar querer para eles sempre o melhor.
(...)
Se acredito que estes princípios devem guiar a educação dos meus filhos, posso desejar algo de diferente para os filhos dos outros? Claramente, não. Foi disso que me lembrei quando confrontado com a proposta de Nuno Crato de tornar o ensino profissional um recurso para os maus alunos do ensino básico. É o género de solução que há quem deseje para os filhos dos outros, mas que é incapaz de desejar para os seus próprios filhos.
Além de remeter para um modelo de ensino dual que caracterizou o salazarismo, com um insucesso que nos continua a perseguir, a proposta assenta também num equívoco muito disseminado e que é reproduzido acriticamente - a ideia de que com a transição para a democracia se acabou com o ensino profissional em Portugal. Esta falsidade confunde fim das escolas industriais e comerciais - uma boa decisão que começou a ser germinada pelo governo de Marcello Caetano - com transformação do ensino técnico.
Em democracia, com nomes diferentes, é verdade, e com excesso de alterações de modelo, foi feito um enorme investimento no ensino vocacional. Hoje, estabilizado o sistema, a percentagem de alunos que frequenta a via profissional é elevada (cerca de 40% dos alunos do secundário) e esta via profissionalizante não tem já a imagem de parente pobre da escolaridade.
A proposta do Governo, além de tornar muito precoce a possibilidade de optar por uma via profissional (em contratendência com todos os países com quem comparamos), tem um duplo efeito negativo. Ao mesmo tempo que desvaloriza o ensino profissional (passa a ser de novo uma opção para as crianças que "não servem para a escola"), significa, de facto, que o sistema educativo desiste de combater a chaga social que é o insucesso escolar.
Numa só medida, o país desistiria de continuar a lutar contra o insucesso escolar com mais tempo de trabalho, maior acompanhamento em disciplinas nucleares como o português, a matemática e o inglês (ou as crianças da via profissional não teriam competências básicas nestas disciplinas, que são precisamente as que provocam maior insucesso escolar?) e tornaria o ensino profissional uma opção fácil, certificando "talhantes e canalizadores" sem competências básicas. No fundo, o país não só passaria a desistir dos filhos dos outros, como lhes reservaria uma segunda escolha.»