quarta-feira, 18 de abril de 2012

O Antero de Eça

Faz hoje, 18 de abril, 170 anos que Antero de Quental, poeta e filósofo, nasceu em Ponta Delgada (onde se viria a suicidar, 49 anos mais tarde).
É difícil escolher o que dizer de Antero: da sua luz e da sua sombra. Darei a palavra a Eça de Queiroz que, no texto Um génio que era um Santo, o descreve de modo sublime:

«Em Coimbra, uma noite, noite macia de Abril ou Maio, atravessando lentamente com as minhas sebentas na algibeira o Largo da Feira, avistei sobre as escadarias da Sé Nova, romanticamente batidas pela lua, que nesses tempos ainda era romântica, um homem, de pé, que improvisava.
A sua face, a grenha densa e loura com lampejos fulvos, a barba de um ruivo mais escuro, frisada e aguda à maneira siríaca, reluziam, aureoladas. O braço inspirado mergulhava nas alturas como para as revolver. A capa, apenas presa por uma ponta, rojava por trás, largamente, negra nas lajes brancas, em pregas de imagem. E, sentados nos degraus da igreja, outros homens, embuçados, sombras imóveis sobre as cantarias claras, escutavam, em silêncio e enlevo, como discípulos.
Parei, seduzido, com a impressão que não era aquele um repentista picaresco ou amavioso, como os vates do antiqüíssimo século XVIII - mas um bardo, um bardo dos tempos novos, despertando almas, anunciando verdades. O homem com efeito cantava o Céu, o Infinito, os mundos que rolam carregados de humanidades, a luz suprema habitada pela idéia pura, e
...os transcendentes recantos
Aonde o bom Deus se mete,
Sem fazer caso dos Santos
A conversar com Garrett!


Deslumbrado, toquei o cotovelo de um camarada, que murmurou, por entre os lábios abertos de gosto e pasmo:
- É o Antero!...
Deus conversava com Garrett. Depois, se bem me lembro, conversava com Platão e com Marco Aurélio. Todo o Céu era uma radiante academia. Os santos mais ilustres, os Agostinhos. os Ambrósios, os Jerónimos, permaneciam fora, pelos pátios divinos, sumidos numa névoa subalterna, como plebe imprópria a penetrar no concilio dos filósofos e dos poetas. Mas o escravo Epicteto aparecia, ainda coberto das cicatrizes do látego e dos ferros - e Deus estendia ao escravo Epitecto a sua vasta mão direita, donde se esfarelava o barro com que ele fabrica os astros...
 
Epicteto, meu amigo,
Quero ouvir o teu ditame
E aconselhar-me contigo...

Então, perante este Céu onde os escravos eram mais gloriosamente acolhidos que os doutores, destracei a capa, também me sentei num degrau, quase aos pés de Antero que improvisava, a escutar, num enlevo, como um discípulo. E para sempre assim me conservei na vida.» (excerto
1884 - Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro
)

Crato DIZ: «FUNCIONAL»!

Sobre a continuação da política de Agrupamentos de Escolas (AE), escreve o Programa de Governo no qual votaram a maioria dos portugueses: (...)estabilização do processo de organização de agrupamentos de escolas, privilegiando a verticalização pedagógica e organizacional de todos os níveis de ensino (Programa de Governo, junho 2011, p. 115)

Chegou a hora.
Nuno Crato, em declarações à Agência Lusa, informa que o processo de (mega) agrupamentos está na primeira fase de discussão e que, entre ontem (17/4) e hoje (18/4), serão analisadas «todas as situações do país». Falou de um processo, aparentemente partilhado, de discussão, envolvendo as direções regionais de educação (DRE's), as autarquias e as escolas. Não se percebe, porém, em que momento estes diversos atores são chamados a intervir: se na proposta do 'design' das agregações (portanto, a tempo de a sua intervenção fazer alguma diferença!), se, pelo contrário, somente em cumprimento do determinado no Despacho nº 4463/2011, que regulamentou os procedimentos a adotar e o papel dos agentes envolvidos. Neste caso, se a iniciativa de agregação partir das DRE's (como é esmagadoramente maioritário)as propostas de agregação de agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas são precedidas de consulta aos conselhos gerais dos agrupamentos e escolas e aos municípios respectivos, os quais devem pronunciar-se no prazo máximo de 10 dias, equivalendo o silêncio à aceitação tácita das propostas.
 Deixa, o sr. Ministro, a garantia de que não resultarão, deste processo, agrupamentos disfuncionais. Como é seu hábito, dispensa-se de definir o conceito, e nem sequer indica se ele deve ser lido apenas na sua dimensão quantitativa, se qualitativa. A ser (como creio, que mais não seria de esperar!) um indicador meramente quantitativo, também não ficaremos a saber se refere simplesmente o número total de alunos abrangidos em cada (mega) agrupamento, se refere outros aspetos, como o número de estabelecimentos, a sua distância ou o número de freguesias abrangidas.
Entretanto, não posso evitar a comparação entre o ambiente passivo e conformado, que enquadra este momento, e as reações à mesma proposta (sem tirar nem pôr), quando veio do ministério de Isabel Alçada, com a publicação da Resolução do Conselho de Ministros nº 44/2010. A mero título de exemplo:

- o Conselho de Escolas, órgão consultivo do Ministério da Educação, criticou a decisão do Governo por não terem sido ouvidas as comunidades educativas  (jornal Público, de 3/7/2010);
- a Confederação das Associações de Pais (CONFAP) admitiu recorrer a providências cautelares para impedir a criação dos mega-agrupamentos de escolas já no início do próximo ano lectivo [2010/11] (jornal Público, de 9/7/2010);
- a contestação ao nível de sindicatos de professores surgiu desde a primeira hora e manteve um tom crítico continuado, anunciando-se um relatório negativo deste processo, a divulgar em Abril de 2011, da responsabilidade da FENPROF (Diário Digital / Lusa, 11/3/2011).

Neste enquadramento, vou ouvindo questões acerca do processo, em si mesmo, de instalação dos AE. Este processo está regulamentado pelo Despacho nº 12955/2010, determinando os órgãos a designar ou eleger, que são os seguintes:
- uma Comissão Administrativa Provisória (CAP) nomeada pelas Direções Regionais de Educação territorialmente competentes, constituída por um presidente e dois vogais; de ordinário, é convidado(a) o(a) Diretor(a) da futura escola sede, a escola secundária, para presidir;
- um Conselho Geral Transitório (outra vez!) eleito nos termos dos artigos 60º a 62º do Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de Abril.
Estes órgãos são responsáveis pelo período de transição, com a duração previsível de um ano letivo, no decorrer do qual deverão assegurar a constituição dos órgãos do novo agrupamento, nos termos do regime de administração e gestão das escolas públicas.
Os AE que avançarem em junho-julho (que serão a totalidade ou maioria esmagadora dos casos em análise), com a nomeação da CAP para gestão do processo de instalação, devem preparar-se para:
(1º) eleições para representantes do CGT já em Setembro;
(2º) procedimento concursal para eleição do(a) Diretor(a), em Maio de 2013.
E enquanto o sr. Ministro diz “funcional”, a DREN divulga a proposta final de agregações para o Concelho do Porto.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Diz-me de que ris, dir-te-ei quem és

De Porfírio Silva, o texto A festa de Lurdes Rodrigues, denuncia a festa dos tolos que muito riem de toda e qualquer melhoria ou defesa da escola pública - muitos deles serão, com filhos e netos, as vítimas deste ataque sem precedentes.
Enquanto os tolos riem, publica-se o Despacho 5106-A/2012 que, sob a inocência da regulamentação de matrículas e turmas para o próximo ano letivo, lança o maior golpe de política social e educativa, desde Veiga Simão: legaliza turmas de nível. Qual nível? Todos os que podemos imaginar: nível de classificações (a turmas dos bons, dos maus e dos assim-assim), as turmas dos filhos dos professores, as dos filhos das empregadas domésticas, as turmas dos pretos, dos ciganos, das raparigas que fumam... por aí adiante, se for esse o entendimento do Diretor, ouvido o Conselho Pedagógico, como explicita o ponto 5.10: na formação de turmas deve ser respeitada a heterogeneidade do público escolar, podendo, no entanto, o diretor perante situações pertinentes, e após ouvir o conselho pedagógico, atender a outros critérios que sejam determinantes para o sucesso escolar.(Consultar, a este propósito, o texto de Paulo Pedroso: pobre, a bem dizer, nem precisa muito de escola)
Centrados na 'carreira docente', nas escolas, alguns professores exultam: os ingénuos, crentes de que algum critério objetivo lhes permitirá escolher as turmas dos bons; os espertos, confiantes, simplesmente, na sua capacidade de manipular o princípio do amiguismo.

terça-feira, 10 de abril de 2012

À atenção do Ministério da Educação e Cultura

Foi publicado o relatório de um estudo da OCDE, sobre as políticas de avaliação no sistema de ensino português, OECD Review of Evaluation and Assessement in Education: Portugal 2012.
Registamos algumas conclusões, que estão a ser divulgadas na imprensa. Não que sejam novidade. O problema é que «encaixam» perfeitamente na investigação educacional (a séria) que se tem desenvolvido por cá, a mesma que o nosso MEC diaboliza e responsabiliza pelos 'modernismos' e 'facilitismos' do sistema educativo. Vejamos:
- apesar dos progressos conseguidos nos últimos anos, continuamos um país com qualificações abaixo da média da OCDE;
- mantemos um ensino tendencialmente apegado a práticas tradicionalistas e centrado na figura do professor, marginalizando o aluno como agente ativo da (sua) aprendizagem;
- centramo-nos excessivamente nas «notas» e apegamo-nos ao «chumbo» como (principal) método de (não) corrigir os desvios de aprendizagem.
O relatório acrescenta algumas reservas, associadas às repercussões negativas das políticas de austeridade, sobre o setor educativo.
Deixa, finalmente, alguns elementos de reflexão:
- não existe relação entre a tendência à reprovação e a qualidade (ou 'exigência') do ensino; os métodos alternativos de acompanhamento dos alunos devem ser aprofundados;
- também a avaliação do desempenho docente deve constituir-se como um processo mais 'confiável' e associado, diretamente, à melhoria das práticas docentes, tal como à progressão na carreira.

Será, a OCDE, suspeita de 'esquerdismo'?

O inverso da maturidade democrática

Leitura aconselhada: Reformas ao espelho .

domingo, 8 de abril de 2012

Para pensar os Agrupamento de Escolas (3): os TEIP


Em 1995, tomou posse o XIII Governo Constitucional, de maioria absoluta socialista, cujo Primeiro Ministro, António Guterres, fizera da ‘paixão pela educação’, o seu ‘sound bite’ de campanha. O seu ME, Eduardo Marçal Grilo, apresentou, então, o programa de governo, em matéria de educação, num discurso que foi publicado com a designação de Pacto Educativo para o Futuro (Ministério da Educação,1996), e que vale a pena reevocar, em demanda da(s) génese(s) dos atuais Agrupamentos de escolas (AE), nomeadamente porque lançou as diretrizes que conduziram à criação dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, conhecidos pela sigla TEIP, através da publicação do Despacho nº 147-B/ME/96, de 1 de agosto.
No Pacto, a escola é apresentada como o lugar nuclear do processo educativo, admitindo-se várias soluções organizativas e privilegiando-se a sua inserção em comunidades locais de formação; entre os objetivos estratégicos encontramos, especificamente, o de territorializar as políticas educativas dinamizando e apoiando formas diversificadas de gestão integrada de recursos. Nesta sequência, foram-se incrementando diversas modalidades de associação de estabelecimentos educativos, das quais as de maior expressão foram, além dos  TEIP, os Centros de Formação das Associações de Escolas.
No âmbito das políticas de associação e AE, a constituição dos TEIP foi um momento decisivo, permitindo implementar, no terreno, a matriz da experiência organizacional dos atuais AE. A ideologia educativa assumida no Despacho nº 147-B/ME/96 é a universalização da educação básica e a igualdade de oportunidade para todos, afirmando-se a necessidade, consequente, de adoção de políticas de discriminação positiva, relativamente às crianças e jovens que se encontram em situação de risco de exclusão social e escolar (Preâmbulo); o mesmo Preâmbulo adianta, porém, um objetivo estrutural pragmático: a necessidade de reorganização e adaptação da rede e do parque escolar enquanto unidades de um determinado território educativo, contrapondo, assim, de forma explícita, o conceito de escola-organização ao conceito de escola-edifício.
Os TEIP constituíram-se, explicitamente (e na letra da lei), em nome de finalidades educativas, sociais e pedagógicas que privilegiam  uma visão integradora e articulada da escolaridade obrigatória, quer em termos da relação escola-vida ativa, quer na promoção da articulação da vivência das escolas de uma determinada área geográfica com as comunidades em que se inserem (idem).
Porém, mais uma vez, a  ideologia autonomista de iniciativa local foi sacrificada à ânsia burocrática e centralizadora, que sempre e recorrentemente, para o bem ou para o mal (?), faz entrada na lusa cena educativa, pelo que, se publicaram, consecutivamente, dois despachos conjuntos (Despacho Conjunto nº 73/SEAE/SEEI/96 e Despacho Conjunto nº 187/97) definindo quais os agrupamentos considerados TEIP, no território nacional.
No relatório final de um estudo sobre a política e a implementação dos TEIP, financiado pelo Instituto de Inovação Educacional e relativo aos anos de 1997 e 1998, publicado posteriormente, Canário, Alves & Rolo (2001) fazem notar que, desde logo, no documento normativo que cria os TEIP, estes são definidos como ‘agrupamentos de escolas’, imergindo as finalidades socioeducativas (como a igualdade de oportunidades e a luta contra a exclusão), sob uma  dimensão administrativa, consubstanciada no desígnio de racionalizar a rede escolar e reformular os normativos de gestão das escolas.

:)

domingo, 1 de abril de 2012

Para Pensar os Agrupamentos de Escolas (2)

Liceu Nacional da Guarda  (foto dos anos 80)
Admite-se, na generalidade, que para encontrarmos a génese legal dos Agrupamentos de Escolas (AE), temos de recuar aos anos 80, à Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE-Lei 46/86 de 14 de outubro), a qual estabeleceu os princípios gerais e organizativos que vieram a ter influência na configuração de uma nova rede educativa.  Esta lei que, após vários anos de preparação e debate, foi aprovada por unanimidade pela Assembleia da República, em 24 de julho de 1986, estabeleceu um alargado consenso em aspetos de grande relevância para a compreensão das políticas educativas em Portugal, como sejam:
- o princípio da universalidade do direito à educação (art.º 2º, ponto 1 e art.º 6º);
- a conceção da autonomia das escolas (postulada como descentralização e desconcentração) e a ligação destas à comunidade (art.º46º);
- a valorização de políticas educativas locais (identificadas com o conceito de regionalização) e as dinâmicas de associação/agrupamentos de escolas (art.º 48º, ponto 4).
Porém, sob o ponto de vista funcional, o sistema educativo português conhecera, ainda durante o Estado Novo, uma estrutura de associação de estabelecimentos educativos com ligação a uma escola-sede como centro administrativo: tratou-se da criação de ‘polos’ em várias localidades em crescimento, dos Liceus Nacionais existentes nas grandes cidades e nas capitais de distrito. Eu própria, fui aluna de um dos polos do Liceu Nacional de Setúbal, criado numa vila do distrito, em 1972.
Esta situação respondia, no terreno, ao aumento da procura educativa dos finais dos anos 60, início de 70, a que a reforma Veiga Simão, legalmente implementada a partir da publicação da Lei nº 5/73, de 14 de julho, e precedida de um debate que interpelou explicitamente a sociedade civil, procurava dar resposta, centrando-se nas exigências de modernização do sistema educativo, em parte respondendo a recomendações internacionais, nomeadamente da OCDE, de garantir a correlação entre a escola, a qualificação de trabalhadores e o crescimento económico.  
Como sabemos, esta reforma acabou por não ser implementada e, em abril de 74, encontravam-se ‘no terreno’ os agrupamentos liceais (chamemos-lhe assim), que vieram a dissolver-se em 1975, com a extinção do ensino técnico e liceal como vertentes separadas do sistema educativo (vistos como discriminatórios, no contexto ideológico desta fase da democratização), dando origem ao ensino unificado.

Liceu Nacional de Setúbal, anos 40